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quarta-feira, novembro 16, 2005

Filosofia de vida


Simplicidade Voluntária

Vivemos numa sociedade de consumo em que as pessoas acreditam que comprando, acumulando bens e objectos, possuindo cada vez mais se tornam mais felizes. Quem realmente se aproveita deste excesso consumista ( as grandes empresas multi e transnacionanais) manipulam-nos através de artifícios como a moda, a publicidade e os meios de comunicação; criam constantemente novas necessidades e distribuem ilusões a torto e a direito. Este modo de proceder é apoiado pelos governos que sempre defendem um crescimento a qualquer preço. E a verdade é que têm tido sucesso, uma vez que o consumo e a presença da técnica nas nossas vidas não cessam de aumentar.
Um consumo deste tipo tem, todavia, inúmeras consequências. Primeiro sobre o meio ambiente: os recursos escassos diminuem a olhos vistos. Mais graves são, porém, o lixo e os resíduos que são assim gerados e cujos efeitos provocam as alterações climáticas e a contaminação do ar e da água.
Actualmente consumimos para além das capacidades do planeta, o que significa simplesmente que estamos a pôr em causa o futuro das gerações vindouras. E a responsabilidade por este estado de coisas é nossa, os residentes dos países industrializados. É que não se podem imputar as culpas a 80% da população da Terra que, as mais das vezes, não têm sequer o necessário para sobreviver. Se todos os habitantes do planeta consumissem tanto como nós, seriam precisos 5 planetas Terra para satisfazer esse caudal de consumo. Não tenhamos a ilusão: todo o mundo aspira a viver como nós, depois de nós mesmos termos generalizado a ilusão que essa é a melhor maneira para se viver.

Libertar-se do consumo

O consumo excessivo tem efeitos sobre as nossas próprias vidas. Para consumir tal como fazemos precisamos de dinheiro; logo, em consequência, a maioria das pessoas trabalham desalmadamente. No Canadá, por exemplo, cerca de 20% da população activa trabalha mais de 50 horas por semana. Esgotamo-nos a trabalhar, dando o melhor do nosso tempo e das nossas vidas para o trabalho; enquanto isso, outras vertentes da nossa existência ( a família, a vida amorosa, a participação cívica e a vida comunitária, a saúde,.) sofrem com essa quase exclusividade que o trabalho exige. Acaba-se de chegar a um paradoxo: quanto mais satisfeito formos na vida material, menos felizes sentimos. E há cada vez mais pessoas que acham que isso não tem sentido, e que há que fazer algo para mudar esta situação. Mas o quê? Os governos e os partidos não dão respostas alternativas, empenham-se antes em seguir a mesma direcção tal como têm feito até agora. Ora há que ultrapassar este bloqueio E é isso justamente o que propõe a Simplicidade Voluntária: empreender as mudanças necessárias nas nossas vidas.
Não confundir a Simplicidade Voluntária com a pobreza; esta é imposta por força de circunstâncias penosas. Mas quando se opta voluntariamente por viver sobriamente,tudo funciona de modo diferente. É que não nos sentimos frustrados porque nos privamos de um bem, mas antes sentimos que vale a pena substitui-lo por algo que tenha mais sentido. Este desprendimento alarga o espaço para a nossa consciência operar de outra forma: trata-se de um estado de espírito que nos convida a apreciar, a saborear e procurar o elemento qualitativo da vida. No fundo, renunciamos aos objectos que estorvam, travam e impedem irmos até ao fim das nossas possibilidades." Não é a riqueza, mas o apego à riqueza que é um obstáculo à emancipação; e não é o prazer da busca por coisas agradáveis que está em causa, mas sim o desejo ardente de as adquirir", escreve Schumcher (1911-1997), autor do livro Small is Beautiful.
A Simplicidade Voluntária leva-nos ao não-uso e à não-posse de algo, implica uma escolha: não comprar certo objecto ou não seguir determinado procedimento implica uma escolha por um outro motivo de satisfação, nem que seja ser fiel aos nossos princípios ou aos nossos compromissos sociais.
Escolher não utilizar certo bem ou serviço, não seguir a moda, consumir de outra maneira, tudo isso releva de actos de consciência e de lucidez, e não de fatalidade. Na verdade, quem faça voluntariamente este tipo de opções sabe que podia não o fazer, e acaba por ser o próprio a dominar a situação em vez de se um ser dominado por esta. Claro está que não se trata de decisões irrevogáveis que arrastam consigo um radicalismo sem concessões, nem sequer de uma regra de aço que dificilmente poderíamos desvincularmo-nos. A Simplicidade Voluntária é uma opção que é tomada mediante pequenos passos, uma via que se segue por decisão própria e porque nos sentimos satisfeitos por seguir.

A sobriedade

Simplicidade Voluntária não se confunde com ascetismo; é, até mesmo, a sua antíteses. O asceta priva-se voluntariamente dos prazeres da vida materiais em busca de um ávida espiritual mais intensa; ora o adepto da Simplicidade Voluntária não foge do prazer nem das satisfações. Muito pelo contrário. Ele procura-os, mas entende que os não alcançar com os meios que lhe dá a sociedade de consumo.
O medo constitui o obstáculo mais sério para uma opção destas, a favor da Simplicidade Voluntária.
Receio do que os outros vão pensar, quando nos afastarmos do seu estilo de vida; receio de sermos marginalizados, e de sentirmos inseguros face ao futuro, pois nos tempos que correm de um individualismo feroz, estamos habituados a pensar por si mesmos, a contar só connosco perante as contrariedades da vida. Quem quererá ajudar-me se não tenho dinheiro, quem me ajudará quando for velho?
Protegemo-nos então com seguros, planos de reforma, depósitos bancários, etc.E quando tivermos o futuro assegurado podemo-nos dar ao luxo de viver mais livres, não sendo necessário trabalhar tanto.
Acontece, porém, que cada ano que passo damo-nos conta que o dinheiro acumulado não é suficiente.
Evidentemente que, se um destes dias, alguém deixar o emprego, vender o seu carro, e começar a consumir só o que produz, a catástrofe não tardará a chegar. Mas a verdade é que a Simplicidade Voluntária é um processo gradual; e não é um fim mas antes um meio para chegar a um melhor bem estar.
Com o passar do tempo cada qual poderá aprofundar mais o seu compromisso graças aos momentos de liberdade que vai conquistando e aos laços de solidariedade que vais desenvolvendo para a indispensável segurança afectiva.
Não é fácil abandonarmos o universo do consumismo. Hoje em dia, tudo nos empurra a encontrar em alguma forma de consumo a solução dos nossos problemas, e a satisfação dos nossos desejos. Não é por acaso que as lotarias passam mensagens do tipo "ganhando o primeiro prémio tem os seus problemas resolvidos". Mas tal não passa de uma ilusão: aquilo a que tão ardentemente aspirávamos, acaba rapidamente de perder interesse logo que o obtivermos, não constituindo os bens materiais formas seguras de satisfazer as nossas mais profundas necessidades.
A Simplicidade Voluntária constitui actualmente o movimento social que ganha cada vez mais força. Não cessam de aparecer livros, contactos e interessados. Existe já vários sites directa ou indirectamente relacionados. Há que fazer o possível para dar a conhecer a Simplicidade Voluntária como meio de controlarmos as nossas vidas

Serge Mongeau ( autor do livro La Simplicité Voluntaire)

5 comentários:

RD disse...

estrelito, meu caro amigo!
estou estupefacta consigo. vai ter que me ensinar esses truques todos da informática.
um lindo texto.
obrigado por partilhá-lo*

vermelhofaial disse...

É sem dúvida um texto esclarecido e esclarecedor.
A teoria da simplicidade voluntária permite-nos aprofundar conceitos de liberdade, solidariedade e responsabilidade. Leva-nos a actos de escolha e lucidez e não de fatalidade.
Cara amiga GB, qualquer coisa que ache que posso ser útil disponha, mas já lhe digo que sou um aprendiz.

RD disse...

:) Obrigado estrelito, a seu tempo se precisar, virei importuná-lo!

Sabe, eu hoje nas comemorações do Dia Mundial da Filosofia, participei num bom debate sobre direitos e deveres e que acho que posso trazer para aqui um bocadinho a propósito do texto acima.
Quando me fala em "actos de escolha e lucidez e não de fatalidade" e com razão, é preciso que se tenha também em conta, que não há liberdade sem responsabilidade e que só temos direitos quando tivermos deveres. Qualquer direito sem dever é um falso direito.
Creio que quanto mais se sabe, maior é o leque de escolhas e menor a tal "fatalidade" que me fala acima.
Vou acabar de ler o texto agora, hoje ainda não parei por isso não tive tempo. :)

RD disse...

A conversa dos direitos e deveres bem se aplica ao texto que postei hoje do Eduardo Prado Coelho. A dele, é também a minha opinião e já há algum tempo. Temos que mudar e crescer um pouco, todos.

RD disse...

Schumacher «Small is Beautiful». Já li, é muito bom. Leia se puder estrelito, é uma biblía do ambiente.
Mais uma notinha, o asceta não foge do prazer como diz no texto, não da forma como se pensa, pelo menos.
Um asceta, tal como outra pessoa que queira praticar, por exemplo, a simplicidade voluntária, abdica do supérfluo (do material, leia-se consumismo) e vive à procura do espiritual por opção e porque é assim que acredita retirar mais prazer da vida. Há, digamos, uma união consigo mesmo e uma apreciação crescente pelas coisas naturais. É precisamente igual, não vejo lá qualquer antítese.
O que poderá mudar, e aí considero a diferença, é o fim último dos dois, porque em matérias de meios, estão claramente no «mesmo pé». Um quer elevação espiritual enquanto o outro quer o melhor para o mundo, mas considerando que o melhor em cada um proporciona o melhor para o mundo, acho que até por aí acabam por se relacionar. :)
Já estou a complicar, é do dia.
Abraço.