O
trabalho deixou de constituir uma protecção contra a pobreza, tendo-se
transformado num mecanismo de aprofundamento das desigualdades sociais". A
prova disto, sustenta o sociólogo Agostinho Rodrigues Silvestre, é que 12% dos
trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza em 2010.
"O desemprego em Portugal cresceu de uma forma consistente entre 2000 e 2010, ou seja, numa década passou de 4% para 11% e o que a crise veio fazer foi apenas agudizar essa tendência", observa. "O que isto nos mostra é que o modo como as sociedades se organizaram a partir da revolução industrial, mas sobretudo a partir da II Guerra Mundial - em que o trabalho se consolidou como princípio organizador da vida individual e colectiva e foi proclamado como referência identitária e medida das permutas sociais - vai ter que sofrer uma profunda transformação".
Dito
doutro modo, a subsistência dos indivíduos terá que ser desligada do trabalho.
"O próprio sistema de protecção social está muito ligado à posição que o
indivíduo ocupa no sistema produtivo e a ideia que tem vindo a ganhar
consistência, nalguns movimentos intelectuais e nalgumas linhas de
investigação, é que esta lógica terá que ser substituída por aquilo a que se
tem chamado rendimento médio de cidadania, a atribuir a cada cidadão
independentemente da posição que este ocupa no sistema produtivo".
De
onde viria o dinheiro? "Por via de uma reformulação total do sistema de
Segurança Social, isto é, pela canalização dos recursos afectos a abonos de
família, reformas, etecetera, para esse rendimento médio. É uma ideia polémica,
mas há cálculos que demonstram que 80% do que se gasta hoje com essa
proliferação de apoios chegariam para pagar a todos os cidadãos com mais de 18
anos esse rendimento médio, cujo valor teria que ser discutido, não ao nível de
Portugal ou Espanha, mas de toda a Europa e até do mundo ocidental",
admite o sociólogo.
Considera
que, independentemente do que vier a seguir, o que o Estado não pode, numa
altura em que a precariedade laboral se generalizou, é continuar a atirar o
ónus do desemprego para as costas dos cidadãos: "O Estado põe no indivíduo
a responsabilidade de procurar emprego, o que, numa altura em que o trabalho
entrou em desordem mas continua a habitar a ordem social, pode significar forçar
os cidadãos a procurar uma coisa que não existe".
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